terça-feira, 12 de julho de 2011

NOITE CINZA

Aroldo Camelo de melo


Noite dos boêmios. Noite das meretrizes.
Noite de crianças dormitando nas marquises.
Noite de bêbados rodeados de regozijos.
Noite de homens maltrapilhos
A exalar um fétido olor de mijo.
O tempo é prematuro e tudo que surge é natimorto.
É aqui o meu porto? Este nauseabundo monturo?
O que faço eu aqui esgueirando este muro?
O meu corpo é uma nave sem rumo,
O meu corpo é uma caravela sem leme.
E todo o meu ser preso nesta encruzilhada fantasmagórica,
Neste carrossel de cavalos cegos,
Nesta carruagem alegórica.
E este espetáculo dantesco se repete em minha retina
Como um loop infinito. É uma cena gongórica.
Nem escuto o meu grito.
Serei eu um teorema desconhecido,
Serei eu um meteoro confuso, uma broca sem fuso?
Na pobreza do meu mundo interior
Como desanuviar este ceu de abutres famintos?
Como suportar este fel que na boca sinto?
Como amortecer esta vertigem?
Como saciar esta voragem?
Como silenciar este espocar de martírios?
O martelar insone da noite me consome
E nenhuma morada me espera.
É um negar e renegar persistente nesta noite implacável.
O tempo se mostra opaco e o meu silêncio
É frágil para derrubar este muro intransponível.
E eu que sempre me pensei livre.
E eu que sempre pensei que poderia navegar
Por águas turvas com desenvoltura,
Me vejo agora entre estas muralhas
Escutando somente o murmurar dos ventos noturnos.
Será que ainda é possível recomeçar depois de tantos recomeços?
E lá vou eu de queda em queda
Descobrindo os segredos do equilíbrio
E assim ébrio de esperança
Vou afastando os detritos que me atritam os caminhos.
É preciso ruminar esta noite
Para que a manhã se mostre promissora
E todas as desventuras se dissipem na frialdade da madrugada.
É preciso viver e lavar as cinzas desta noite
Para que a fuligem não fique impregnada em minha alma!

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