segunda-feira, 25 de abril de 2011

Meu amigo virou chefe

aroldo camelo de melo


Meu amigo virou chefe
E deixou de ser meu amigo.
Tinha de ser compatível
Com seu narciso:
Não pode ter amigos, chefe.
Ter amigos coloca
Sua autoridade em cheque.

Deixou de ser meu amigo, o chefe
Pra ser apenas alvo de confete.
E hoje pra sobreviver
Tem de ser falso entre falsários
E fazer chover canivete.

Vive em permanente
Estado transitório.
Campo minado é seu território.

Meu amigo virou chefe
E hoje não passa de um blefe!

domingo, 17 de abril de 2011

CAMINHOS INCERTOS

Aroldo camelo de melo


Que força descomunal me liquida
A alma e suga o deleite do amor?
Que alimento me provoca pavor
Em radiações de luz adormecida?

Silêncio, sonhos e mais sonhos desfeitos
E tu nessa calmaria fria, sem pranto
Derramado, distante de quebrantos,
Em harmonia consigo e seus feitos!

Eu sentado nas sombras do abandono
Vendo a caravela a singrar o mar,
Olho meu corpo cansado, com sono.

Sinto minha alma a lutar no deserto
Num abatimento crepuscular
No engodo de caminhos incertos.

SOLIDÃO

Aroldo Camelo de Melo

sob as cinzas do pensar
escondo meu rosto sob um véu
eu tenho o sol
eu tenho o céu
eu tenho o mar
e me sinto só
sem sol sem céu sem mar
um navio sem porto
Sem âncora sem bandeira
estou nu sem um bolso onde por a mão.
hoje me chamam SOLIDÃO!

O DRAMÁTICO É QUE EU SEI QUE TE AMO

Aroldo Camelo de Melo



O dramático é que eu sei que te amo
E te amo mesmo em permanente discórdia comigo.
Mas eu te amo e não posso fugir desse fulgor
Que me inquieta e me incendeia.
Esse fulgor que escancara minha fragilidade,
Essa fragilidade que chora e brada por teu amor.
Só desejo te oferecer o hálito das flores
E o canto melodioso dos pássaros.
Por ti eu canto as canções de todas as chamas
Mas silencio porque sei que esse fogo incinera
Todos os sonhos que carrego comigo.
Devo destruir todas as minhas quimeras
Em nome desse amor transcendental?
Eu sei que te amo e é por ti que soluço
E vivo porque me enfeitiça o brônzeo de teu rosto.
Como viver sem a placidez de teu olhar?
O dramático é que eu sei que te amo.

O POEMA É MAGIA QUE NÃO SE DESFAZ

Aroldo Camelo de Melo

Disse-me ela: lance-me fora de seus poemas.
Não quero ouvir essa cantilena!
Já não sou parte desse melodrama;
Não me envolva em suas tramas.
E disse com dedo em riste:
Não me venha com tipo triste;
Seu tempo de dom Juan não mais existe.
Olhei perplexo, paralisado
Vi o ódio pulsando no seu olhado.
Virgem Santa! Livrai-me de tanta ira.
Pensei em atendê-la,
Mas como fazê-lo e não perdê-la
E como desfazer um amor que foi amado?
Disse Pessoa que o poeta é um fingidor,
Mas como desfingir o que fora amor?
O poema é magia que não se desfaz;
É como bolha de sabão. É fugaz.
Uma vez lançado ao vento
Não se controla mais!

não é sábio pensar-se sábio

aroldo camelo de melo


não é sábio pensar-se sábio.
o que significa astrolábio?
da pronúncia sabe meu lábio
mas não sabe o significado.

anotei nos meus alfarrábios
o sinônimo desse palavrório.
Deus, ó Deus não me faça ilusório
nem me deixe pensar-me sábio.
mas afinal, assim peremptório,
o que é mesmo astrolábio?

eu sei que o conhecimento
não faz o homem presunçoso
mas pensar que o detém
faz dele um bobo.

QUEBREI AS VIDRAÇAS

Aroldo Camelo de Melo


Quebrei as vidraças que já não refletiam luz.
Arranquei as vísceras dos dias atrozes.
Esmaguei os ovos de serpentes ferozes.
Desnudei aforismos dos homens nus.
Rasguei as vestes dos falsos anjos lilases
E nas escadarias do templo deixei-os ao léu.
Sai gritando aos sete céus:
Insanos! Mentirosos! Aleivosos!

Enfureceram-se os vaidosos!
Lançaram-me insultos.
Provocaram grande tumulto.
Queriam fuzilar-me. Queriam meu fim.
É que os hipócritas escondem suas faces de arlequim.
Abominam tudo que revela suas caricaturas.

Não! Não me amedrontei e gritei:
Insanos! Mentirosos! Aleivosos! Ó vis criaturas!
Nem pensem que sou um anjo, um querubim,
Mas estou enojado dessas portas escancaradas,
Dessas libertinagens sem fim.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A TERRA QUE NÃO MORRE



Aroldo camelo de melo

Mirando a paisagem cinza e longínqua
Na cintilância das últimas vascas do arrebol
Pressinto círculos concêntricos abraçando meu olhar.
São os braços do tempo a dizer: Deus não é silêncio.
A planície rala das árvores emurchecidas
É túmulo e berço concomitante
E não obstante a vida pulsa nessa pátria ressequida;
E a morte de igual sorte disputa cada palmo desse chão.
Vida e morte convivem em comunhão
Sob a complacência da natureza deitada nos escombros.
E, de súbito, essa mesma natureza, se levanta altaneira
Quando um comboio de nuvens se desmancha em água
Borrifando o chão ávido de sede.
Tudo entra em metamorfose. É o mistério da ressurreição.
E a mulher telúrica volta a respirar aliviada
Depois de saber-se ternamente amada.

ROUBARAM-ME O ENCANTO

Aroldo Camelo de melo


Contemplo as nuvens alvas
Que brincam no oco espaço.
Elas bailam sem cansaço,
Sem estresse, sempre calmas.

E assim me dizem tanto
Que me fazem refletir
Se não é melhor morrer
Do que viver sem encanto.

Porque já meus pobres cantos
Não cantam minhas quimeras.
O que fiz a essas eras
Que me roubaram o encanto?

segunda-feira, 4 de abril de 2011

ILHA DE PEDRA

Aroldo Camelo de Melo


Meu corpo sem textura, aberto
é um deserto onde nada medra,
é uma pedra cujo interior
guarda vestígios de humano
segredos
desejos gravados.

Assim como um impulso um soluço
Um sopro
um rasgo
um raso de chão
é o meu coração desfolhado
desertificado
sem forças
disperso
apagado
inerte
anônimo
anômalo.

Disforme é meu rosto sem gosto
e essas pedras grafadas nos sulcos de pele
são marcas de um tempo
de sol causticante
de ventos ululantes
de noites de gafanhotos
aranhas
peçonhas
de luas medonhas.

E o que resta em meu peito é uma ardência
um fogo queimando
um tumulto
um vulto sem rosto
e o meu grito guardado
jaz apagado no recôncavo da laringe

tudo tudo me constringe os músculos
esfacelados
mutilados
e este silêncio crescente
sufoca-me a mente
e incontinente meu sangue gela
ao ver os olhos de um corvo
olhos redondos
hediondos
gigantes
que vão se aproximando com olhares medonhos
e meus ossos gritam sílabas inaudíveis
e o silêncio impera
e todos os cânticos foram sufocados.

Tudo é deserto e só se faz ouvir o vento
e seus uivos nas conchas informes;
sou exangue e minha mão em aceno
insulta o tempo
questiona o vento
que se furta de me apontar o porto
onde descarregar os destroços do meu descarrilado corpo.
Meu corpo é um deserto onde nada medra.
Ilha de pedra.

MULHER



Aroldo Camelo de Melo


Enquanto o tempo silencia na penumbra
Ergue-se numa coreografia crepitosa
Uma silueta de curvas senoidais.
Fluidez vertiginosa que emerge como um relâmpago.
Aquela lúcida fantasmagoria
Dança em espiral e no espelho do vento se maquia.
Vagueia em pensamentos. Vagueia...
E seu cadenciado movimento principia
Um ritual bacante sob efeito alucinógeno.
É ela que concebe o amor, esse fluido, etéreo alimento,
Na sutileza imóvel e penetrante de seu olhar.
O seu sopro é um bálsamo que silencia
O clamor de almas embriagadas.
Magia que se encanta sob essa aura de felicidade.
Um rosto de fêmea envolto em candente harmonia
Surge no pedestal sublime do mundo.
Ei-la, cativante e bela: MULHER!