quinta-feira, 30 de abril de 2009

A SECA

Aroldo Camelo de Melo


Cinzento, o horizonte mal-humorado
silencia na imensidão das vagas
e tristes as casas de taipa desbotadas
assistem passivas a submersão
do dia na noite que se alarga.
Um mastro opaco e uma pálida bandeira
lembram dias e dias de sol sangrento.
A rouquidão do grito cansado
desnuda a secura e mostra o solo em desalento.
O peito extenuado, dilacerado,
Chora com as premissas
de estiagem tirana e prolongada.
A face purpurina, impávida, do sol,
Inunda as nuvens tingindo o arrebol.
A guerra do tempo é insana. Devastadora.
Os trapos daquela brava gente
e os farrapos do algodão ressequido
Espalham-se pelas campinas
tingindo a paisagem de brancura ternal,
compondo um poema surreal
naquele exausto vale de lágrimas.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

AS PEDRAS ME ESCUTAM

Aroldo camelo de melo



E se ainda canto
É porque um poeta tem a ver com as cigarras
E é sempre musical o sibilar de suas palavras.

E se ainda sonho
É porque um poeta navega através do vento
E habita desabitados mundos de querubins.

E se ainda rio
É porque um poeta passeia por céus ilusórios
E não se dá conta das agruras dos caminhos.

Assim cá estou,
Cantando,
Sonhando,
Sorrindo
Não me importando se o tempo é surdo
Porque sei que as pedras escutam minha alegria!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

SILENCIARAM O AMANHECER

Aroldo camelo de melo


Aflora-se sonhos malogrados e é evidente a frustração!
Até quando os doidivanas poetas vão espargir
Nas terras de elefantes mudos o húmus da fantasia?

Nestas pastagens é debilitada a voz, distorcidas as idéias.
Na efemeridade nada se distingue além de ventos fugidios.

Eu não quero turvar minha visão com as impurezas
Que galopam nas planícies e nem me banhar nas águas
Profundas e impenetráveis das sombras de olhares oblíquos.

Desgovernado está o destino, pois violaram a beleza do existir.
Assim se desfigura o voo altaneiro do albatroz sobre os oceanos
E apenas minhas insônias mergulhadas nessas aguas gélidas
Imergem como icebergs perambulantes
A dizer melancolicamente que vã é a madrugada
Já que silenciaram o amanhecer!

AINDA NÃO APRENDI O USO DA RAZÃO

Aroldo Camelo de Melo


Por que não canto meus encantos
E só canto o acalento de meus ais?
E vês que não sou assim tão sofrível
Pois já conquistei planuras nas agruras
E fiz no esterco o meu pomar
E não digo que não sei o que é amar
Pois acometido fui desse mister
Embora continue me sendo indefinível
No coração o que carrega uma mulher!
Muitas lamparinas não me acendem
E o azeite que queima nas restantes
Não é de boa combustão.
No hoje e no amanhã a vida continua
E se me sinto a alma assim tão nua
E no silêncio dormita a minha luz
Talvez seja porque ainda não aprendi
O verdadeiro uso da razão!

quinta-feira, 9 de abril de 2009

CANTO ÀS MUSAS

Aroldo Camelo de Melo



Talvez, quem sabe, eu colhesse
Nas manhãs as gotas do orvalho matutino
E retrocedesse no tempo até onde as estrelas
Ejaculavam pingos de luz.
Talvez, quem sabe, eu espalhasse
Pelos caminhos, pétalas de begônia,
E as efusivas noites fossem repletas de glamour.
Talvez, quem sabe, eu entendesse o tempo de agora,
Pobre de sentimentos, e transformasse o cheiro de gás
Lacrimogêneo num perfumoso e colorido orquidário.
Que mundo seria onde fosse abundante o pão
E as palavras nunca soluçassem de remorsos
E o ódio emurchecido se esvaísse cabisbaixo?
Que mundo seria onde as bestas, de repente,
Se tornassem estéries e os vômitos humanos
Fossem ignorados e o amor degustado
Em cada vida como delicioso petisco?
Decerto a paz seria abundante e cada fruto
Emergido das entranhas femininas seria
Bendito e agraciado pelo Senhor do Universo.
Assim o luar em mim seria um tapete
De flores prateadas e seus pistilos
Se espargiriam pelas moradas dos deuses
E os anjos bacantes, em coro, cantariam
Alvíssaras às ninfas, filhas de Zeus!

quarta-feira, 8 de abril de 2009

ALEGRE BAILADO

Aroldo Camelo de Melo




Bailamos a noite!
Teus trejeitos me envolvem
E envolto me nutro de tua energia.

Grafo teus passos no mármore deslizante
E teu respirar denuncia o gracejo de teu corpo.
Tudo é mistério na nossa noite
E a luminosidade de teus olhos
É o espelho de minha alma.

Quem me anunciará às ondas de teus cabelos?
Sou um nevoeiro passageiro em alegre profusão.
Mesmo que meus sonhos se evaporem nas sombras,
Não será vã a fogueira dos meus desejos
Porque perene sol alumia teus sorrisos
E tua placidez de deusa me extasia!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

DE ONDE VEM ESSA LUZ?

Aroldo camelo de melo

De onde vem essa luz se o sol de pôs?
Astros se abalroam derramando seus ácidos
No cálice sideral. Fantasmas se revelam
E suas caras amarrotadas agitam as marés
E os cabelos ondulantes das águas se entrelaçam
Nos caminhos de indomáveis tubarões.
Nas estrelas de inatingíveis galáxias, vibram
Neurônios embriagados de seres alienígenas.
No desespero, o reluzir da indiferença fere
Como lâmina afiada de um gládio.

Na face desnuda do tempo apaga-se a última candeia
E a escuridão parece dominar o sorriso do mundo.
Os frutos paridos do ventre do homem são venenosos.
A primavera tardia perdeu o trem da estação.
Tudo irrompe e extrapola sua órbita.

Será necessário cruzar o inferno, beber lágrimas
De sangue derramado, para que a centelha de luz finalmente
Resplandeça na primavera, num ritual de purificação?
Porém, se miro as estrelas cintilando, se me extasio
Com os golfinhos peraltas em cambalhotas ao mar,
Pressinto que não se extinguirá o fulgor dos céus.
Mas de onde vem essa luz se o sol se pôs?