terça-feira, 30 de junho de 2009

É FALSO O SUNTUOSO MANTO AZUL DA TERRA

Vou embora desta Terra
E habitarei um longínquo mundo sossegado.
Por aqui a brisa e a barra que se formam no horizonte
Estão impregnadas de negras sombras
E pesam de fuligem minhas pálpebras.
É melancólico pensar, mas a Terra
É um bólido vagante que perdeu seu rumo
E esta a deriva numa infinita espiral de insensatez.
É irônico, mas até Deus
Parece que desistiu de seu concerto
E, por certo, um outro mundo escolherá para seu Éden.
Esse outro mundo se faz necessário. E urgente!
Os que ali nascerem,
Nascerão sob os auspícios de um novo sol
E terão a tranqüilidade dos confins inabitados.
Lá, outras luas embalarão quimeras e juras de amor
Porque o amor, esse permanece,
Não conseguiram embalá-lo num chip eletrônico.
Quando me for, sei que levarei alforjes
De saudades das cascatas e cachoeiras,
Dos verdejantes campos floridos
E dos pássaros em seus gorjeios matinais,
Das capoeiras e matagais
E até das algazarras dos inúteis pardais.
Quando me for, sei que levarei alforjes
Dos odores das nostálgicas mulheres de antanho
E o meu corpo sangrará rios de virtuoso vinho
Sob o olhar piedoso das estrelas enamoradas.
Vou a busca dessa luz sonâmbula
Que intuitivamente me guie pelas fendas
Onduladas das sombras e eu encontre
A deusa que, em miraculosos sonhos,
Vem todas as noites acariciar-me a fronte
E trazer-me o sossego do amoroso canto
Na lenta e profunda pulsação da vida.
Tornaram falso o suntuoso manto azul da Terra!

OPACIDADE INSOLETRÁVEL

Aroldo Camelo de Melo



Inquieta-me essa incapacidade
De se comunicar dos meus poemas.
O que falta na escrita, nessa opacidade
Insoletrável, nesse indefinível fonema?

É esse vislumbre desconhecido
Que nem eu vezes não vejo sentido
Que faz de meus escritos essa
Nebulosa de palavras incongruentes?

É esse inquieto rio de leito seco
Que emerge áspero de minhas feridas,
Que ascende declives e mergulha aclives
Numa indefinição da língua emudecida?

É esse peso silencioso do incontível
Que mora nas ruínas do hipotálamo
E ferve no côncavo do cerebelo
Depois explode incorrigível?

E essa inabitável e obscura idéia
Que jorra em gritos e relâmpagos?
É esse rumor que irrompe circunspecto
Como faíscas noturnas dos pirilampos?

sexta-feira, 26 de junho de 2009

DESLUMBREI-ME COM AS PALAVRAS

Para o poeta português Antonio Ramos Rosa
Aroldo Camelo de Melo



Deslumbrei-me com as palavras que
Dançavam num poema de expressão serena.
No âmago dos sentidos eram mãos macias
Que acariciavam minha fronte absorta.
Me fiz silêncio e ouvi o tropel cadenciado
Das rimas num ritmo das bailarinas encantadas.

Um sonho se manifestou reluzente
No cadente movimento das sílabas
A modelar as formas da escrita lusitana
E me vi poeta deslizando em suaves nuvens
De versos luminosos em estático êxtase.

Sou um ser que se eleva, se irradia
Quando repousa seu pensar nos sopros
Esculpidos na brancura de uma página
A espargir centelhas de sabedoria.

Assim adormeço nessa fruição deveras,
Navegando por mares de espumas de versos
E depois ancoro meu barco num berço de quimeras!

ANGÚSTIA

Aroldo camelo de melo



Sobre a vida estive horas a matutar
Buscando nos entremeios o sentido
Do ser. De exacerbo fui acometido
Ao mirar o horizonte, nuvem e mar.

É tão diminuto o concerto da existência
E de sonoridade de templos ensurdecidos.
Nada me comove e assim desvanecido
Rio-me e abjuro o fausto sem essência!

O eco adverso e rotundo no céu vazio
Faz-me meditativo em pensamentos;
Leva-me a alma ao naufrágio e desvio

O olhar daquilo que só me angustia
E provoca cataclismos e tormentos.
Crer em Deus é toda minha calmaria!

LUTA INÚTIL

Aroldo camelo de melo



Mil velas queimei pra bisonho santo,
Em vão me foram tantas penitências.
Por fim jurei, invoquei, pedi clemência.
Ah! debalde sonhei e derramei meu pranto!

No tropel veloz se dissipou meu canto;
Outros sóis busquei e só alcancei abismos
Na peleja crua, repleta de sofismos
Que se transmutaram em desencanto.

Inúmeros foram a sugar meu manto
E depois entregue a cruéis traidores
Meu ser em lágrimas deitou lamento.

E se hoje me chegam os desenganos
É porque no ontem semeei maus ventos
E disso se aproveitam meus tiranos?

A FESTA DA VIDA

Aroldo camelo de melo



Escuto o inacessível gemido de pedras
E a aparência carrancuda da paisagem
Inóspita não esconde o prolongamento do grito.
O sol fumegante principia o incêndio das horas
E o tempo é inundado pelo vazio das palavras.
Uma coruja com seus olhos de eclipse de lua
Espreita pensativa o mausoléu destroçado.
Meus olhos lacrimejam com o reflexo de uma
Fonte de águas claras. Será visagem?
O silêncio denuncia a inocência nua.
As frutas pereceram cruas ou apodreceram
Fatigadas da abóbada escarlate.
Uma esperança, em mim, ainda respira
Porque cresce velozmente um sentimento
De prodigiosa cumplicidade na natureza.
Nada se cria. Tudo se transforma.
As raízes da vida reverberam paulatinamente
Nas minúsculas e raquíticas reentrâncias dos seres.