segunda-feira, 5 de outubro de 2009

DESVANECIDO

I

rasgo o céu rasgo o véu
faço um escarcéu.
busco brisa e brasas
me cai aos pés.
extermino traças
quebro vidraças
nas alamedas
irreverente cuspo
no assoalho
milhões de protozoários
me faço de aço
entro pro cangaço
me arremedo
de revolucionário
me enfronho nessa selva de pedra
já que nada medra
me escudo no escapulário
faço desse inferno o sacro
meu sacrário
roubaram meu espaço
me esquartejaram
quero meu espaço
meu espaço sufocado
a golpes baixos
cabisbaixo me querem
me querem esmarrido desanimado
me estilhaço
e faço dos meus versos
afiadas asas
me fortaleço e alhures desvaneço
miro meu rosto no espelho
miro meu rosto mergulhado
numa serena imobilidade
pintaram meu rosto?
em palhaço me transformaram?
bibelô de penteadeira,
é assim que me querem?
pois não me terão.
nem ontem nem hoje nem amanhã.
artimanha vã...



II

eis que o tempo conspira
me acalma a ira
me rouba o brio
me sinto óleo escorregadio
onde está o justiceiro?
onde está o revolucionário?
no anedotário?
vou mandar me embalsamar
a cara
colocá-la num outdoor
como fizeram com a cara de Guevara
o capitalismo fez dele
marca registrada
e numa arca seu retrato foi guardado
sou louco? serei o último tresloucado?
ouço o som das cornetas
das bombas explodindo
ouço vozes do proletariado
expropriado
enganado pelos poetas burgueses
o tempo secou a última gota
da esperança
as forças se anulam
bandeiras da equidade
já não mais tremulam!

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