sexta-feira, 9 de outubro de 2009

NA MINHA CIDADE TINHA UM RIO

aroldo camelo de melo


Na minha cidade tinha um rio
De margens sujas
Chafurdada por cachorros,
Cabritos e meninos.
Aquelas margens eram
Templo dos caramujos,
Do sujo de porcos fuçando.
Eram também nosso teatro,
Nosso Coliseu.
Naquelas margens
Se paria do lodo e da lama,
O bredo que estagnava a fome.
O rio, grávido de miséria
E de alegria, já não fluía
E no passo lento, preguiçoso
O rio se arrastava qual cobra combalida
E nas suas poças encharcadas
Bebia o burro cansado,
Bebia o cachorro vadio
E todos os meninos
Bebiam o suco da esquistossomose.
Em roucas vozes,
O rio implorava por chuva
Que lavasse suas feridas
E limpasse suas fétidas veias.
Vinha a cheia
E o rio respirava
Um alento de vida
E suas unhas roídas
Mastigavam o osso
Da travessia.
Mas o rio já não ia
Além dos limites da cidade.
O rio agonizante inda fecundava
Esqueletos que sangravam
Na desova em suas cabeceiras.
Na minha cidade tinha um rio...

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